Ele já estava velho.
Não sorria. Ou quase não sorria. O seu único momento de felicidade, se é que se pode chamar felicidade a um ténue e imperceptível esgar, era quando se sentava em frente da casa para assistir ao pôr-do-sol. Ao lento mergulhar no mar, daquela bola de fogo, lá na linha do horizonte...
Desde a morte da mulher há cinco anos, só isso lhe dava algum prazer. Quando não chovia, sentava-se na cadeira de baloiço no quintal da sua velha casa de pedra às cinco tarde, e só dali saía quando o último fogacho de luz atirada pelo sol desaparecia por completo.
Foi assim desde que enviuvou...
Mas em meados de Janeiro ou Fevereiro, armou-se burburinho no terreno baldio em frente à sua casa. Tapumes, tijolos, areia, cimento, uma grua... Barulho infernal durante o dia. E aos poucos foi surgindo no caminho uma torre residencial que lhe obstruía a visão do mar.
Era o progresso! O velho não resmungou. Nem sequer expressou qualquer indignação. Ainda lhe disseram para reclamar na Câmara de Mafra, mas recusou, ciente da sua impotência...
Morreu no verão do ano passado... É normal os velhos morrerem...
Hoje, quase um ano depois, os moradores da torre desfrutam do melhor pôr-do-sol da Ericeira, mas são raras as vezes que dão uma espreitadela apressada pela janela.A azáfama da vida não lhes deixa tempo para isso...
Basta-lhes dizer aos amigos que o seu apartamento tem uma vista fantástica, um pôr-do-sol inigualável.
Não sorria. Ou quase não sorria. O seu único momento de felicidade, se é que se pode chamar felicidade a um ténue e imperceptível esgar, era quando se sentava em frente da casa para assistir ao pôr-do-sol. Ao lento mergulhar no mar, daquela bola de fogo, lá na linha do horizonte...
Desde a morte da mulher há cinco anos, só isso lhe dava algum prazer. Quando não chovia, sentava-se na cadeira de baloiço no quintal da sua velha casa de pedra às cinco tarde, e só dali saía quando o último fogacho de luz atirada pelo sol desaparecia por completo.
Foi assim desde que enviuvou...
Mas em meados de Janeiro ou Fevereiro, armou-se burburinho no terreno baldio em frente à sua casa. Tapumes, tijolos, areia, cimento, uma grua... Barulho infernal durante o dia. E aos poucos foi surgindo no caminho uma torre residencial que lhe obstruía a visão do mar.
Era o progresso! O velho não resmungou. Nem sequer expressou qualquer indignação. Ainda lhe disseram para reclamar na Câmara de Mafra, mas recusou, ciente da sua impotência...
Morreu no verão do ano passado... É normal os velhos morrerem...
Hoje, quase um ano depois, os moradores da torre desfrutam do melhor pôr-do-sol da Ericeira, mas são raras as vezes que dão uma espreitadela apressada pela janela.A azáfama da vida não lhes deixa tempo para isso...
Basta-lhes dizer aos amigos que o seu apartamento tem uma vista fantástica, um pôr-do-sol inigualável.
É o ter em vez do ser...A felicidade para eles é uma coisa muito mais complexa do que era a do velho que morreu.
Rui Felicio
Uma realidade bem chocante!
ResponderEliminarVeio-me à memória um episódio quando da construção do troço da auto-estrada Aveiro-Coimbra. Muito perto da saída de Aveiro para o Sul, está uma casa com a fachada principal a dois metros de um paredão do viaduto da auto-estrada e esta, também passa a pouco mais de 5 ou 6 metros da casa. O dono da casa enlouqueceu e acabou por morrer. A casa ainda se lá mantém para quem quiser ver o que faz a prepotência dos poderosos.
Muitos pensam que este tipo de coisas não têm consequências. Mas têm! Como se infere do episódio relatado pelo Alfredo.
EliminarDeprimente a velhice e a solidão! Até o betão,sem planeamento, estraga momentos de silêncio e contemplação...
ResponderEliminarA tal insensibilidade de quem tem poder!
A gula do poder e do dinheiro não conhece limites.
ResponderEliminarObrigado Olinda pelo teu testemunho.
Um velho,uma cadeira de balouço e um pôr-de-sol na linha do horizonte. Sozinho? Não! apenas com as suas recordações, os seus afectos, a ausência "dela" e os olhos nostálgicos pousados ao longe! Um velho e o seu quinhão de felicidade diária.
ResponderEliminarDepois...ah, depois!Chegou a ganância, a estupidez, a desumanidade e com eles o opróbio de um muro de cimento dum prédio em frente.
O velho na cadeira, mas já sem o seu pôr-de-sol, o seu pedaço de existência, acabou por desistir. Partiu! Ficaram a cadeira de balouço e o sol a pôr-se todos os dias...
Os do prédio de cimento não tinham aquela cadeira duma casinha modesta, não tinham as recordações, não contemplavam o pôr-de-sol!
Bebiam whisky, gargalhavam e falavam de banalidades e, de quando em vez, apontavam, como mais um bem possuído, o céu exangue na linha do horizonte."
Obrigada, Rui Felício,por me ter posto a reflectir sobre estes casos recorrentes na nossa sociedade com os seus valores rasgados! Um belo texto!