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terça-feira, 15 de março de 2011

HÁ DIAS AZARADOS

Reencontrei o Fernando Costa mais de 10 anos depois de eu ter saído de Coimbra em 1967.
Conheci-o na faculdade mas perdi-lhe o rasto quando ele interrompeu o curso para ir para a tropa em 1965.No pátio da empresa de vinagres, no Entroncamento, pertença de familiares seus, onde agora ele trabalhava, corriam obras de repavimentação, pelo que estava ali colocado um grande monte de pedras destinadas ao calcetamento.Num dos lados do pátio interior estava o escritório no 1º andar de um velho edifício que albergava no rés do chão um armazém repleto de garrafas de vinagres.Do outro lado da rua, o Frango Real, restaurante onde o Fernando Costa e muitos dos empregados da dita empresa habitualmente almoçavam.Certo dia, findo o almoço, o Costa atravessou a rua, passou o portão da empresa e, já no pátio, desdobrou o jornal que levava consigo, caminhando devagar e, desfolhando-o, ia lendo os títulos das noticias.Absorto na leitura, tropeçou distraído, no monte de pedras que ali estava, caiu e fez um lanho na testa. Meio atarantado ainda, aceitou a ajuda de um operário que o encaminhou para a enfermaria onde lhe limparam a ferida.Deram-lhe um maço de algodão e um frasquinho de álcool aconselhando-o a premir o algodão na testa e, de vez em quando, a embebe-lo em mais álcool, repetindo sucessivamente a operação até que o sangue parasse de correr.
Com o algodão numa mão encostado na testa e com o frasco de álcool na outra, resolveu dirigir-se à casa de banho do 1º andar e aí chegado, baixou as calças e sentou-se na sanita, que os intestinos assim o reclamavam.Por duas ou três vezes regou o algodão com mais álcool voltando a encostá-lo na ferida.Às tantas o sangue já tinha estancado e o Costa achou que já podia deitar fora o algodão. E assim fez...
Deitou-o para a sanita, ainda bem encharcado em álcool.Acto continuo, acendeu um cigarro e deitou o fósforo, ainda aceso também para a sanita.Claro que o fósforo aceso incendiou de imediato o algodão com álcool que ele tinha acabado de mandar para a sanita, levantando um fogacho que queimou o desprotegido traseiro nu do Costa.Convenceu-se o Costa que algum incêndio estaria lavrando no armazém por baixo do escritório, estando as chamas a subir pela canalização da casa de banho e, assomando a uma janelita que dava para o pátio, gritou:
- Chamem os bombeiros! Há fogo no armazém!
Não demoraram cinco minutos a chegar. Como não vissem qualquer fogo, subiram à casa de banho para indagar junto do Costa o que se teria passado.Seminu, este apontou-lhes para o traseiro, dizendo-lhes, exageradamente, que estava todo queimado. Colocaram-no numa maca e, enquanto desciam a íngreme escada de caracol que lhe dava acesso, o Costa ia relatando o sucedido.Um dos bombeiros, ao perceber finalmente o que se tinha passado, desatou a rir convulsivamente e, descontrolado, largou a maca que foi escorregando pelos degraus abaixo.O Costa, aflito, tentou agarrar-se aos prumos de ferro da escada mas, desastradamente, ficou com o braço enganchado entre dois deles. Resultado, fracturou o braço!
Lá o levaram para o Hospital de Torres Novas, com um golpe na testa, o traseiro queimado e um braço partido.
Pelo caminho, rebentou um pneu da ambulância e o motorista não coseguiu evitar o choque frontal contra uma árvore à beira da estrada. A porta de trás abriu-se e a padiola onde ia deitado o Costa, começou a deslizar, primeiro devagar, depois ganhando velocidade atravessou o alcatrão desgovernada.
O Costa foi cuspido e arranhou a perna no áspero e grosso betuminoso, ficando todo esfolado desde o joelho até ao tornozelo.
Correu três serviços: Ortopedia, unidade de queimados e serviço de pequenos curativos...
Há dias em que é melhor não sair de casa...

Rui Felício

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